Terminei de ler As Esganadas,
do Jô. O livro traz o estilo que consagrou o autor, neste segmento, misturando
ficção com personagens históricos. O pano de fundo onde é ambientado é o Rio de
Janeiro de 1938, início do Estado Novo, com o governo de Getulio Vargas. Uma
leitura agradável e, de certa forma, instrutiva, pois nos mostra vários
aspectos do Rio na década de 30, do que acontecia na política aos
acontecimentos da Vila Mimosa (histórico ponto de prostituição ainda
existente).
Percebe-se
nos créditos que foi feito um excelente trabalho de pesquisa sobre a época e os
seus acontecimentos. Ironicamente, ainda quando estava envolvido na leitura,
alguns acontecimentos do Rio atual me chamaram a atenção pela semelhança com o que
li na ficção. Em determinada passagem da estória um dos personagens, indo para
os ensaios do Carnaval, torce para que não haja chuva durante o desfile, o que
continua acontecendo até hoje. O fato me chamou a atenção, mas como é um
fenômeno da natureza e envolve a maior festa popular no país é natural que a
torcida por dias e noites sem chuva tenha sido sempre uma constante no decorrer
do tempo e hoje seja ainda cada vez maior, tendo em vista o trabalho
desenvolvido para a beleza do espetáculo, cada vez mais grandioso.
Outro
fato, no entanto, me fez refletir. Em outra passagem um personagem a procura de
um lugar para morar lê o seguinte anúncio em um dos jornais da época: “Aluga-se, a senhor distinto, quarto de
frente, mobiliado, com pensão, em casa de família mineira. Todo o conforto, não falta água e tem telefone. Avenida
Passos, 34”. No mesmo dia, coincidentemente, assisti em um dos telejornais
local, uma matéria sobre os moradores do Morro do Andaraí onde estes, ainda
hoje, não dispõem de nenhum serviço de saneamento. As pessoas deixam de comprar
alimentos para comprarem os galões de água. Há um poço em determinado ponto
onde é possível se retirar uma média de 30 baldes de água por dia (para 50
famílias que moram próximas), com o agravante de que ao lado do poço há um
córrego, completamente poluído. Um dos moradores conseguiu encanar água
diretamente de uma pequena nascente e convive, diariamente, com a fila de
baldes dos vizinhos. Dona Maria tem 76 anos, há mais de 40 anos mora no Morro
do Andaraí, quando criança buscava água na mata, atualmente usando bengala para
se locomover, se vê obrigada a comprar água, comprando, em média, 63 galões de
água por mês, deixando, ás vezes, de comprar os remédios de que precisa.
Na
Pavuna, há três anos, baldes e mangueiras fazem parte da rotina dos moradores.
Se fosse citar todos os locais onde se encontra este tipo de problema nas
comunidades do Rio, daria para escrever um compêndio. E o governo,
ironicamente, dispõe de um programa para este fim, o Programa Água para Todos!
Uma
cidade de contrastes. É assim que o Rio é comumente descrito, geralmente pelo
fato de se ver bem ao lado de um edifício de luxo uma favela. Para os que
passam brevemente por aqui é essa a idéia que se tem. O que não se fica sabendo
é que estes contrastes vão muito além desta visão. Há problemas crônicos que
acho que nunca serão solucionados, como a corrupção, o tráfico, a violência e o
descaso das autoridades (leia-se políticos e membros que compõem os departamentos
de segurança) com o povo.
Esta
questão do saneamento básico nas comunidades carentes é apenas um dos
problemas. Citei o mesmo por constatar que da década de 30 aos dias atuais o
problema continua sem solução. Há muitos outros tão ou mais graves que este.
Querem conferir? Acessem o portal da Globo (g1.com), no segmento telejornais
regionais, principalmente no RJ 1ª Edição. Como é um telejornal que vai ao ar às
11:00h, horário em que a maior parte das pessoas estão trabalhando, só é visto
por uma minoria. Noventa por cento da pauta do telejornal registra estes
descasos da administração pública com os desvalidos.
Se o
Jô fosse escrever um livro tendo como pano de fundo os dias atuais, nesta mesma
cidade, não iria precisar de muita pesquisa para desenhar o cenário, bastariam 20 minutos diários na frente dos telejornais regionais para constatar que da
época em que se passa a estória dAs
Esganadas aos dias atuais os problemas só aumentaram e os já existentes só
pioraram.
Do
Estado Novo à Democracia, os políticos só foram perdendo qualidade e tornado-se
cada vez mais corruptos e centrados no enriquecimento pessoal que é compartilhado
com os poucos que lhes são cúmplices. O povo que se dane. Obras de
melhoramentos e assistência a estes desvalidos devem apenas ser inauguradas
para a liberação das verbas, que serão desviadas. E as obras que fiquem lá,
inacabadas, de governo para governo, sucessivamente. Novos programas de governo
como o Água para Todos são lançados a
cada novo governo para a captação de recursos, que nunca são aplicados como
deveriam e sempre desviados. Finda o governo, finda o programa sem nada ter
sido feito. Vem um novo governo e um novo programa e por aí vai, pleito após
pleito.
Vamos
dar ao povo Futebol e Carnaval que ele vai continuar feliz e alienado, nos
deixando em paz para governarmos em proveito próprio.
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